Esta mulher negra, mãe e escrava, não se calou frente a situação ao qual se encontrava, vindo a escrever uma carta reivindicando seus direitos. Esta mulher é considerada a primeira advogada do Piauí.
O ano era 1770 e uma mulher negra, mãe, escravizada, escreveu uma carta em 6 de setembro, endereçada ao governador da capitania do Piauí. Em ato de insurgência às estruturas que a desumanizavam, ela denunciava as situações de violência que ela, as companheiras e seus filhos sofriam na fazenda de Algodões, região próxima a Oeiras, a 300 quilômetros da futura capital, Teresina.
O documento histórico é uma das primeiras cartas de direito que se tem notícia. É um símbolo de resistência e ousadia na luta por direitos no contexto do Brasil escravocrata no século XVIII – mais de cem anos antes de o Estado brasileiro reconhecê-los formalmente.
Esperança Garcia possivelmente aprendeu a ler e escrever português com os padres jesuítas catequizadores. Após a expulsão dos jesuítas do Brasil, pelo marquês de Pombal e a passagem da fazenda para outros senhores de escravo, ela foi transferida para terras do capitão Antônio Vieira de Couto. Longe do marido e dos filhos maiores, usou a escrita como forma de luta para reivindicar uma vida com dignidade.
A carta foi encontrada em 1979 no arquivo público do Piauí, pelo pesquisador e historiador Luiz Mott. Em reconhecimento da importância histórica do documento escrito por Esperança, atendendo às reivindicações do movimento negro no Piauí, a data de 6 de setembro foi oficializada como o Dia Estadual da Consciência Negra, em 1999. Em setembro de 2017, duzentos e quarenta e sete anos depois da escritura da carta, através de solicitação da Comissão da Verdade sobre a Escravidão Negra do Piauí, Esperança Garcia foi reconhecida pela OAB/PI como a primeira advogada piauiense.
A narrativa de Esperança é marcada pela indignação e a coragem de resistir. Denuncia os maus tratos, o autoritarismo e requer o direito de viver livre de violência para si e para os outros. É uma singular expressão da luta por direitos humanos que nasce das senzalas, das ruas, dos lugares onde as sujeitas historicamente oprimidas se insurgem por liberdade e igualdade.
Conhecer,
lembrar e compartilhar a voz de Esperança Garcia é um imperativo para a luta
contra o racismo e por igualdade de gênero, raça e classe no Brasil. É também
alimento para a força e coragem de resistência do povo brasileiro ao perigo de
uma única história, a do colonizador. É peça fundamental para compor as
memórias de luta e resistência do povo negro e construir as caixas
amplificadoras de vozes historicamente silenciadas.
Fonte: Instituto Esperança Garcia.
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