Prêmio Luís de Camões: escritora moçambicana vence a 33º edição do evento
Com 66 anos, Paulina Chiziane nasceu em Manjacaze, um bairro humilde nos arredores da atual Maputo, na época Lourenço Marques.O último brasileiro a levar o Camões foi Chico Buarque, em 2019.
Em 1990, Paulina Chiziane publica o livro "Balada de Amor ao Vento", tornando-se na primeira mulher a publicar um romance no país.
Depois disso conta com mais 10 romances, sendo o último, "O canto dos Escravizados" publicado em 2017.
O júri decidiu por unanimidade atribuir o prémio à escritora moçambicana Paulina Chiziane, destacando a sua vasta produção e recepção crítica, bem como o reconhecimento acadêmico e institucional da sua obra.
O júri lembrou igualmente a importância que a autora dedica nos seus livros aos problemas da mulher moçambicana e africana. Embora seja conhecida popularmente como a “primeira romancista de Moçambique”, Paulina Chiziane insiste reiteradamente que não só não é apenas uma romancista como não o é predominantemente, já que os seus livros — efetivamente, romances — incorporam outros géneros literários (como o conto) e nem sempre obedecem a uma estrutura clássica de género.A sua obra, como referido pelo júri do Prémio Camões, evidencia um olhar pormenorizado sobre os problemas da mulher africana e da mulher moçambicana, mas não apenas: toda a cultura, os hábitos e o passado do continente e do país são vistos e pensados criticamente.
Traumas históricos como a guerra civil moçambicana, o colonialismo e o racismo, práticas culturais como o curandeirismo e o sistema poligâmico e o tratamento dado à mulher em Moçambique e em África acabam por infiltrar-se tematicamente nos seus livros, como se lembrava aliás numa entrevista dada em 2014 (publicada na plataforma online Buala). Nessa entrevista de 2014, Paulina Chiziane falava sobre o colonialismo português (“há um medo terrível dos portugueses, a repressão colonial foi muito dura”), sobre as marcas profundas deixadas por essa experiência colonial em África e em Moçambique, sobre tradições seculares e culturais, sobre o seu próprio percurso de vida e sobre a cultura moçambicana e a forma como esta não se libertou ainda das convenções e construções alheias, nomeadamente dos colonizadores.
Também o trabalho recente de aproximação aos jovens de Paulina Chiziane— através da construção de pontes entre a literatura e outras artes — foi destacado.
Foto: António Silva / LUSA
A escritora sente muito orgulho por ter visto a sua obra reconhecida pelo maior galardão literário em Língua Portuguesa. Chiziane é um das escritoras africanas mais conhecidas internacionalmente. No Brasil, ela tem livros publicados pela Companhia das Letras ("Niketche") e pela Dublinense ("O alegre canto da perdiz"). A escritora receberá um prêmio de 100mil euros, divididos entre os governos do Brasil e de Portugal.
"Tudo o que eu tentei escrever, nos diferentes livros, parte da nossa memória coletiva. Eu nunca falei, nos livros, na minha voz pessoal. Mesmo nos livros em que escrevo na primeira pessoa eu estou a trazer a voz coletiva. Portanto, é todo um povo que é agraciado por este grande prêmio."
Paulina Chiziane
Fonte: Instituto Camões