Quem foi Aracy Guimarães Rosa, brasileira conhecida como "Anjo de Hamburgo"
A paranaense que ajudou judeus a entrarem no Brasil no fim da década de 1930.
Em 1942, ano final de seu trabalho / Crédito: Wikimedia Commons
“Ela era bem ousada, impávida. Não se conformava com o papel tradicional, tanto que se afastou do primeiro marido”, afirma a historiadora Mônica Schpun, diretora editorial do Centro de Pesquisas sobre o Brasil Colonial e Contemporâneo da École des Hautes Études en Sciences Sociales de Paris e autora do livro Justa – Aracy de Carvalho e o Resgate de Judeus: Trocando a Alemanha Nazista pelo Brasil.
Vida e trajetória
Nascida em 1908, no município de Rio Negro, no Paraná, filha de pai brasileiro e mãe alemã, Aracy Moebius mostrou-se desde cedo à frente de seu tempo. Numa época em que o preconceito contra a mulher era latente, ela se separou do primeiro marido em 1934 e decidiu ir para a Alemanha com o filho de cinco anos.
Fluente em alemão, inglês e francês, conseguiu emprego no consulado brasileiro em Hamburgo. Chocada com a perseguição aos judeus promovida pelo nazismo, especialmente depois da “Noite dos Cristais” (novembro de 1938, quando sinagogas, residências e lojas foram destruídas na Alemanha e na Áustria e cerca de 90 pessoas foram assassinadas).
Com discrição e coragem, Aracy colocava vistos de judeus sem o infame “J” no passaporte entre os papéis a serem assinados pelo cônsul-geral.
Ela, além de fornecer guarnições e todo o tipo de ajuda (inclusive financeira), também transportava clandestinamente judeus no carro da embaixada - deixando evidente mais duas virtudes: generosidade e gentileza. Comprometida em salvar o maior número possível de vidas - característica de sua agudeza de espírito (ou grandeza da alma)..
Nomeado cônsul-geral em Hamburgo em 1938, o escritor João Guimarães Rosa (com quem Aracy viria a se casar, em 1940) teve pleno conhecimento das transgressões da jovem, tendo dado total apoio. Em 1942, quando o Brasil rompeu relações diplomáticas com a Alemanha - e por interesses passou a perfilar ao lado dos Aliados -, Guimarães Rosa e Aracy foram confinados até serem trocados por diplomatas alemães no Brasil.
O livro de Guimarães Rosa “Grande Sertão: Veredas”, de 1956, foi dedicado a Aracy.
A solidariedade de Aracy, traço comum da amizade, não se limitou à época do nazismo. Em 1964, ela e Guimarães Rosa teriam dado refúgio no Rio de Janeiro ao escritor Franklin de Oliveira, perseguido pelos militares. E, em 1968, em pleno AI-5, Aracy (o marido morrera um ano antes) deu guarida ao cantor e compositor Geraldo Vandré perseguido pela ditadura por causa da canção “Caminhando (Pra não dizer que não falei de flores)”. No prédio, próximo ao Forte de Copacabana, moravam vários oficiais. Enquanto a repressão caçava Vandré, ele compunha no sofá de Aracy, Depois, o neto do ‘Anjo de Hamburgo’, Eduardo Tess Filho, teria levado Vandré para São Paulo numa Kombi. E de lá para o exílio.
Aracy foi agraciada pelo governo de Israel com o título de “Justa entre as Nações”, dado a apenas mais um brasileiro (Souza Dantas), por ter salvado a vida de muitos judeus, conseguindo que eles entrassem ilegalmente no Brasil durante o governo de Getúlio Vargas. Ela também ficou conhecida como o “Anjo de Hamburgo"
Aracy viveu 102 anos, sobrevivendo ao marido por 44. Deixou o filho, quatro netos e oito bisnetos. No Instituto de Estudos Brasileiros, da USP, há 21 caixas com mais de 5.700 itens que ajudam a contar a sua história. Nas prateleiras em frente às suas, os pertences de Guimarães Rosa. O corredor é chamado de “felizes para sempre”. Já no fim da vida, ao ser questionada sobre as razões que a levaram a arriscar a própria vida para salvar outras, ela respondeu: “Porque era justo”.
Fonte https://www.bbc.com/portuguese/brasil
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